E3
Sentado, naquela mesma lanchonete de
sempre, conversando animadamente [só que não] sobre coisa alguma, ou talvez até
fosse um bom assunto, porém agora pouco importa, olhava o celular a espera
daquela leve vibração que atentava os meus olhos sinal de mais uma mensagem
chegando.
Será que chegaria? E o que eu
realmente esperava? Realmente não queria ter que responder essas perguntas.
Adriana me olhava, forcei uma risada
seguindo o tom de todos os outros, mesmo sem ter a mínima idéia da piada, ela
parou de olhar. Política, claro, esse era o tema, comentei o apoio de Marina, a
discussão ficou mais séria, meus amigos e eu éramos ‘críticos políticos’, sem
realmente entendê-la sonhávamos que ela levaria nossa cidade a algum lugar
melhor, e todos amávamos esse assunto.
Enquanto ouvia Rivaldo declarar seu
apoio a Serra, tendo protestos exaltados aos fundos, fui tomado novamente pelos
meus pensamentos. Pior que naquele momento era a última coisa que queria fazer,
meus pensamentos não conseguiam fugir daquela noite.
Faz 8 dias 1 hora 32 minutos 7... 8...
9... Segundos, preferia contar os segundos, [15... 16...] eles me mantinham
presos em outro assunto [21... 22... 23...] que não era o acontecimento [?...],
perdi a conta, está rápido demais.
Cabelo enroladinho, no pescoço, nem se
enrolavam direito, castanho, não! Mel. Combinando com aqueles olhinhos
expressivos, e evasivos, misteriosos e risonhos. Não mais risonhos que a boca
fina, com covinhas salientes e um sorriso infantil totalmente inocente...
Não! Paro, deixa para lá, por que
tenho que lembrar? Meus olhos já estavam muito limpos, não preciso lavá-los
agora. Elton estava olhando para mim, sorrindo, não só para mim percebi com
alívio. Todos estavam gargalhando Elton estava fazendo sua imitação especial do
Prefeito, comecei a rir dessa vez mais natural. Realmente as imitações dele
sempre me trouxeram muitos risos, como não rir daquele menino.
A risada se desfez muito antes do que
o normal. Não tive como evitar, rir me fazia lembrar novamente daquele dia, e
principalmente daquela criatura que me fez rir tanto. Não por ser engraçada, na
verdade não o era, mas suas besteiras eram de um nível que me faziam rir, não
tinha como impedir.
Pisquei os olhos, senti meu bendito
olho molhado novamente, como se nunca fosse o bastante, sempre tinha mais.
Adriana novamente me olhava, virei o rosto fingindo que não tinha percebido,
estava prestando total atenção às palavras de Laura, a irmã mais nova de Adriana,
que no momento estava brava com algo enquanto todos riam. Tentei acompanhar com
o sorriso mais animado que tinha. Provavelmente não muito bom.
O relógio que a pouco andava tão
rápido, agora parecia não passar, queria ir para casa, queria me trancar no
quarto, novamente escutar música e dormir apenas, porém tive que aceitar o
convite de Adriana. Todos estavam muitos preocupados, principalmente ela, que
tinha o poder de ler minha alma, por isso a evitei por tanto tempo, mas um dia
teria que enfrentar [um dia, não hoje...].
A comida no prato esfriava, congelava,
mesmo tendo o garfo como companheiro, sempre a mexendo de um lado para o outro.
A lasanha realmente não era das melhores, incrivelmente só eu tinha escolhido-a,
acho que por isso ninguém parecia se importar com sua inanição.
A lanchonete era totalmente aberta,
sem portas, apenas uma grande abertura para a rua, que no momento certo era
fechada por um grande portão de ferro. Mesmo assim, a parede me chamava mais atenção
do que a rua, no fim a rua não era muito movimentada mesmo, então não devia ter
nada interessante.
Na verdade o que me interessava, pedia
em silêncio que não aparecesse nunca mais, enquanto lá no fundo o chato do meu
coração sussurrava “volta...”, mas quem liga para o coração? É tanto que o
coração era mais distante da boca, enquanto o cérebro fica logo acima.
É claro, que o coração nada mais é do
que um músculo que bombeia sangue, enquanto as emoções e sentimentos são
processados no cérebro. Eu sei papo chato de um nerd... É difícil impedir!
Prefiro repensar todas as fórmulas de
física do Ensino Médio, ou até mesmo relembrar todos os nervos cranianos suas
funções e posições, não me falta vontade de rever a síntese do neurotransmissor
GABA. Tudo é melhor do que essas incessantes memórias, que me trazem
inevitavelmente o mesmo rosto.
Às vezes vem só marrom claro, uma cor,
apenas isso, abaixo minha guarda me entrego à possibilidade de descobrir de
onde vem esta cor. Triste erro, muito triste, o marrom claro se abre mostrando-se
igual uma bola bem feita com um centro preto, rodeada de marrom e com o resto
branco. E ai a bola se mexe, brilha e percebo de quem é, ver seu olho, que de
uma hora para outra se expande mostrando por completo daquilo que não queria
lembrar... Já era, lembrei novamente!
Balanço a cabeça tentando derrubar
aquela imagem da minha memória, abro os olhos novamente Rivaldo está olhando
para mim, com aquela cara de preocupação que tanto temia. Não que a preocupação
fosse algo ruim, só não queria ter que responder as perguntas que a seguiam,
possivelmente dirão meus amigos: “Falar sempre ajuda, se não falar vai acabar
explodindo!”, não nego isso, tem horas que realmente sinto uma explosão
incinerar meu coração.
Contudo, porém, todavia, pensar em
falar é uma explosão ainda maior, ter que reconhecer aquele dia. Pior é pensar
que poderia ter evitado tudo isso se tivesse ficado calado, foi por tentar não
explodir que estou nessa situação.
Tenho que fazer algo Rivaldo realmente
não tira os olhos de mim, olho para o prato novamente, e pergunto: “Tu quer
comer minha lasanha? Acho que escolhi errado dessa vez, nem me concentrando ela
desce!”. Soltando um sorriso, que espero tenha saído de forma sincera, espero a
resposta dele.
Rivaldo sempre me zoa por comer
devagar, na verdade ele sempre acaba terminando de comer por mim, o que me faz
ficar sempre com uma cara de “indignado” e faz Adriana, namorada dele, rir
muito.
Elton, antes da resposta de Rivaldo,
já sorrindo chama a graça e começa a tirar onda: “Dessa vez não precisa nem
roubar, olha que dia de sorte!”. Os outros riem, Laura quase gritando diz: “Eu
já te disse que a lasanha daqui é ruim, inventa porque quer!”, agora sim todos
caem na gargalhada enquanto Adriana morrendo de vergonha se certifica de que o
dono da Lanchonete não ouviu.
A risada volta, Rivaldo e Elton ficam
“disputando” o pedaço de lasanha fria como se fosse a última comida do
universo, mesmo depois de terem comidos brotinhos e coxinhas, eles sempre podem
comer mais.
Não consigo me agüentar, caio na
gargalhada também, principalmente ao ver Adriana tentar separar os dois, e pedir
um pouco de “educação” em público, o que faz com que os dois briguem ainda mais
alto.
Por isso gosto deles provavelmente,
isso se tivesse como saber o motivo do gostar, eles fazem babaquices e sempre
me deixam felizes. É difícil ver tristeza neles, Elton na verdade nunca vi
triste, já Rivaldo vi uma vez quando tentou voltar com Adriana depois de
largá-la por causa de “aventuras” por ai. Enfim...
Resolvi não pensar mais, apenas rir, e
curtir os poucos momentos que tenho com essa “mundiçinha” minha. Realmente não
pensar, é uma característica minha, desligar o botão da consciência sempre foi
para mim uma ótima forma de sobreviver a tudo...
Parecia que estava dando certo, as
brincadeiras de Rivaldo me faziam viajar em risadas, enquanto Paulo nos fazia
cantar feitos doidos na lanchonete, eu estava feliz, não queria saber de mais
nada só queria estar ali.
Como queria ter aproveitado ainda
mais estes momentos, se soubesse antes teria rido mais alto, quem sabe cantado
com mais força, quem sabe... Porém não tinha como saber nê?
Enquanto eu ria, abaixei a cabeça,
meus olhos se fecharam, e quando abri eu vi... Meu sorriso se congelou, aquelas pernas,
aquele andar, não podia ser! Na verdade bem que podia, parte de mim sabia e
queria que acontecesse, eu estava com saudade de ver, de sentir a presença, mas
também sabia que não estava preparado para aquilo.
Fechei os olhos e abri de novo, quem
sabe aquilo não era apenas uma brincadeira dos meus olhos? Meu sorriso de
congelado, simplesmente sumiu, não era ilusão.
Aqueles olhos, no momento em que
olhei aqueles olhos, eles me encontraram e me fitaram, e em poucos segundos se
desviaram, apesar do pouco tempo senti o brilho fraco, não estava como antes,
como naqueles momentos que vivemos juntos, quando riamos um do outro e
acabávamos nos encarando sem motivo.
Contudo, o sorriso estava tão lindo
quanto antes, sempre simpático, o brilho no olhar voltou, acho que era coisa da
minha cabeça, que fazia questão de me dar esperanças.
O mesmo grupo de amigos, isso por
tanto tempo me fez sorrir, mas agora realmente não queria isso, sabia que iria
vir falar com todos. A simpatia impedia que fosse o contrário, porém pior que
isso foi ver que a simpatia diminuiu, falou com alguns, deu boa noite a todos,
nem um olhar a mais para mim, foi para o balcão pedir seu lanche.
Uma coxinha de frango com catupiry,
um pedaço de pudim, e uma coca-cola de lata, repeti comigo enquanto o ouvia e via
fazer o pedido, sempre pedíamos a mesma coisa, mesmo sabendo que o pudim não
era dos melhores.
Soltei um sorriso, algumas coisas
não mudaram, mesmo sabendo que isso não significa nada, lá dentro saber que
algo estava igual me incendiava o coração.
Adriana olhou para mim, não sei há
quanto tempo estava olhando, porém aproveitei o sorriso, e mostrei a Tv da
lanchonete, que estava ligada naquela novela que todo mundo comenta, e da qual
só sei o nome, entretanto novela sempre serve para mudar de assunto.
Enquanto Adriana realmente comentava
algo sobre os personagens, e ria de alguém que caia, perguntei sobre a vilã, e
ela me contou as malvadezas da criatura. Olhando para Adriana vi de relance,
sair da lanchonete aquele corpo que sempre quis, que olhava para trás
conversando com Elton, de novo nossos olhos se encontraram, e dessa vez percebi
o motivo da falta de brilho, não era tristeza, era raiva mesmo.
Dessa vez o olhar se
manteve, e meu coração morreu por dentro, só queria sumir. Fechei os olhos com
força dessa vez não consegui me controlar, senti lágrimas aparecerem, ouvi os
chamados de alguém, acho que era Adriana, quem sabe.
Não era Adriana, era aquela
voz, eu tinha que abrir os olhos para ver o que aconteceu de onde essa voz
estava vindo? Na verdade abri os olhos, e vi o rosto, aquele incrível rosto,
com os olhos inconfundíveis.
Percebi que a atenção estava
virada para mim, procurei pelos outros, não estava mais ninguém por ali, a
lanchonete sumiu, estávamos na minha casa.
- Ei não é hora de dormir,
temos que fazer o trabalho, poxa! Ou você acha que vou fazer tudo?
Como assim, era tudo um
sonho? Não podia ser! Olhei em volta estava na mesa, debruçado em cima do meu
caderno, quando olhei para ele, estava escrito:
“Compromisso do dia: Me
declarar, de hoje não passa!”
Olhei de novo para aquele
sorriso, e aquela carinha de concentração, meu coração acelerou, queria roubar
essa boca, pedir para que se concentrasse em mim, e dizer tudo...
Me contive, risquei meu
caderno...
É melhor deixar para outro
dia!!!
...